Não podemos colocar em risco nossos adolescentes: pela alteração de dispositivos sobre trabalho infantil no PL sobre o novo Ensino Médio no Senado Federal

Em posicionamento coletivo, a Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas coloca-se contra a desescolarização no ensino médio e a flexibilização da aprendizagem

 

Leia abaixo o posicionamento coletivo da Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas sobre o PL que promove mudanças no Ensino Médio e tramita no Senado Federal.

A Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas é coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e composta por entidades e movimentos sociais populares. São eles: Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-CE), Fórum Nacional de Prevenção e. Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e SEFRAS – Ação Social Franciscana. O projeto também contou com a participação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí).

A Agenda tem o objetivo de incidir politicamente e produzir estudos visando à prevenção e ao combate a violações de direitos de crianças e adolescentes no Brasil.

 

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Não podemos colocar em risco nossos adolescentes: pela alteração de dispositivos sobre trabalho infantil no PL sobre o novo Ensino Médio no Senado Federal (PDF)

Posicionamento coletivo da Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas contra a desescolarização no ensino médio e flexibilização da Aprendizagem
 

A Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas [1] vem denunciar as principais brechas que permitem o trabalho infantil e  estimulam desescolarização no novo Ensino Médio, aprovada na Câmara dos Deputados, e solicitar ao Senado Federal a exclusão de tais artigos do texto da proposição legislativa.

No último 20 de março, foi finalizada a votação do PL 5.230/2023 na Câmara dos Deputados, do novo Ensino Médio. A matéria votada é resultado de idas e vindas de projetos de leis que versavam sobre a Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017 e que vem sofrendo críticas desde então. O Coletivo em Defesa do Ensino Médio, [2] apontou em posicionamento publicado no dia 19 de março [3] os principais problemas do PL encaminhado pelo relator Deputado Mendonça Filho (União-PE), como substitutivo do PL apresentado pelo Executivo. Dentre eles estava a possibilidade de validar como carga horária letiva atividades de trabalho de estudantes nesta etapa da educação básica.

Recordamos que a Lei 10.097/00, [4] a Lei de Aprendizagem; a Lei 11.788/08, [5] Lei do Estágio; e a Lei 8.069/1990, [6] o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulam as relações de aprendizagem, estágio e trabalho do(a) adolescente. Neste sentido, pontuamos que:

  • de 14 a 16 anos, as e os adolescentes só podem trabalhar na condição de jovem aprendiz, e devem seguir a legislação pertinente à aprendizagem profissional estabelecida pela Lei nº 10.097/2000, regulamentada pelo Decreto nº 5.598/2005 e posteriormente pelo Decreto n° 9.579/2018 - abaixo de 14 anos, qualquer relação de trabalho ou aprendizagem é considerada trabalho infantil; 
  • acima de 16 anos são permitidas relações e vínculos empregatícios e de trabalho, de modo protegido; e
  • as atividades de aprendizagem realizadas por adolescentes com idade entre 14 e 16 anos não poderão ser realizadas em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola, sendo necessária regulação e fiscalização de tais atividades.

A lei aprovada na Câmara que regula o novo Ensino Médio, [7] não garante as exigências da legislação supracitada e coloca uma série de riscos no Art. 35-B, § 4, que:

Art. 35-B, § 4 Para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo integral, excepcionalmente, os sistemas de ensino poderão reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares, mediante formas de comprovação definidas pelos sistemas de ensino e que considerem:

 

I - a experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado, desde que explicitada a relação com o currículo do ensino médio;

II - a conclusão de cursos de qualificação profissional, desde que comprovada por certificação emitida de acordo com a legislação; e 

III - a participação comprovada em projetos de extensão universitária ou de iniciação científica ou em atividades de direção em grêmios estudantis.  (BRASIL, 2023) [8]

Na prática, o PL 5.230/2023 subverte o sentido de Aprendizagem na forma da Lei, ao reconhecer as práticas obtidas no “trabalho” por pessoas menores de 16 anos, inclusive de forma voluntária, o que coloca ainda mais riscos de violações de direitos. Ainda, a nova lei incorre em risco de indução e legitimação do trabalho infantil, que se refere ao trabalho realizado por menores de 14 anos, isto porque existem estudantes que chegam ao Ensino Médio com esta idade ou idade inferior.

A possibilidade de “trabalho voluntário supervisionado” também significa risco de legalização, através da proposta de lei aprovada, de trabalho análogo à escravidão, aumentando as vulnerabilidades de crianças e adolescentes em todo o país, principalmente, daquelas e daqueles mais desfavorecidos economicamente. 

O “novo novo” Ensino Médio representa um retrocesso no debate que vem sendo realizado desde a aprovação da reforma em 2017, quando o Dep. Mendonça Filho (União-PE) era ministro da educação do governo do então presidente Michel Temer. Do mesmo modo, o texto que será analisado pelo Senado Federal desconsidera pactos sociais importantes como a consulta pública realizada em 2023, as manifestações populares pela revogação da reforma do ensino médio e o documento final da Conae, que traz uma série de proposições para uma política estrutural de ensino médio de qualidade. É importante lembrar que a etapa nacional da Conferência, ocorrida em janeiro de 2024, contou com cerca de 2.500 participantes, tendo sido precedida por conferências estaduais e, estas, por conferências municipais e intermunicipais nos respectivos territórios, mobilizando mais de 1 milhão de brasileiras e brasileiros.

Sabemos que a precarização da educação pública afeta pessoas com classe social e raça definidos, que são diretamente afetadas com esses retrocessos. Não iremos permitir que o Ensino Médio tenha como objetivo principal formar uma massa de adolescentes para os subempregos, em detrimento da formação humana e leitura crítica dessa sociedade injusta e desigual. Queremos que as juventudes das escolas públicas possam  sonhar e com dignidade tenham todas as condições de ocupar os espaços e todas as profissões e trajetórias que lhe são de direito.

Assim sendo, convocamos o Senado Federal a corrigir os rumos deste “novo novo” Ensino Médio, retirando tais artigos e enfrentando essas propostas, que representam imensos riscos para a segurança e a garantia de direitos de crianças e adolescentes, especialmente aquelas mais vulnerabilizadas e invisibilizadas.

Assinam:

Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente)

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil)

MNMMR (Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua)

SEFRAS – Ação Social Franciscana

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

 

[1] Plataforma de defesa de direitos composta por Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará), FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MNMMR (Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua) e SEFRAS – Ação Social Franciscana.
[2] Disponível em: https://campanha.org.br/especiais/coletivo-em-defesa-do-ensino-medio-de-qualidade/
[3] Disponível em: https://campanha.org.br/noticias/2024/03/19/posicionamento-publico-para-alem-das-2400-horas/
[4] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10097.htm
[5] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm
[6] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:~:text=Toda%20crian%C3%A7a%20ou%20adolescente%20tem,pessoas%20dependentes%20de%20subst%C3%A2ncias%20entorpecentes
[7] BRASIL. Câmara dos Deputados Federais. Projeto de Lei 5.230/2023. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2399269&filename=Tramitacao-PL%205230/2023.
[8] BRASIL. Câmara dos Deputados Federais. Projeto de Lei 5.230/2023. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2399269&filename=Tramitacao-PL%205230/2023.